Coisas da vovó

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Nossa sobrinha-neta Bianca, recém formada em medicina, era bem pequena quando desenhou a avó, Denize, com traços bem envelhecidos. Minha irmã protestou na hora:

– Bianca, eu nem tenho 50 anos! Seu desenho está errado.

A resposta primou pela lógica:

– Toda vovó é velhinha.

À época, livros infantis retratavam avós como pessoas bem idosas, muitas vezes com a indefectível bengala para suportar o peso dos anos. Os cabelos brancos eram obrigatórios.   

O Terceiro Milênio mudou esse conceito. Recursos científicos modernos são responsáveis pelo aumento na longevidade dos avós atuais. Muita bisavó passa longe de bengala; bate o ponto nas academias da vida.

Vovó Neném, mãe da minha mãe, desde o começo dos anos 1950 estava nesse grupo dos idosos com saúde debilitada. O médico de família determinava dieta pobre em gorduras e açúcares, evitar aborrecimentos, enfim, segurar a onda.

Entre a ordem médica e a realidade, havia aquela cozinha sempre cheia de comidas convidativas, embora proibidas. Ela e vovô Quintella moravam com meus tios, Arandy e Zita. Havia sempre olhos atentos aos movimentos da dona Neném.

Mas, tal qual os dribles certeiros do Garrincha, vovó usava e abusava da imagem da inofensiva. Com seu vestido longo, todo abotoado à frente, com dois grandes bolsos nas laterais, movimentava-se sorrateira próximo às panelas. Bobeou, ela beliscava algo fora do cardápio recomendado.

O gol de placa teve início em casa e terminou no hospital. Era véspera de Natal. Vovó ficou de olho na cozinha, onde as comidas gostosas eram preparadas. Deu aquela voltinha de praxe, saiu de fininho e foi descansar na varanda. Pouco depois, sentiu-se mal. A pressão estava alterada.

Alguma coisa estava errada. No carro, a caminho do hospital, ela jurava ao tio Arandy ser inocente no quesito estripulias na cozinha. Negou até o fim. Só entregou os pontos quando o médico, depois de examiná-la na emergência, trouxe a prova do crime: vários bolinhos de bacalhau encontrados nos bolsos. Dona Neném era demais…

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