Cabeça baixa concentrada em papéis, registrando a burocrática listagem dos atendimentos, lançando nomes, idades, enquadrando sub-títulos, buscando diagnósticos nos programas do celular, diz o obstetra à pessoa que entrava:
– Vá atrás do biombo, tire as roupas de baixo, deite-se na maca de barriga pra cima e encolha as pernas com joelhos empinados. .
Do outro lado, levantando-se da cadeira, o obstetra, consumido pela demanda, já foi calçando luvas e distribuindo gel nos dois dedos mais longos para o “toque” de praxe que confere a dilatação.
Ao aproximar os dedos no rumo da avaliação, eis que uma grave voz se manifesta apavoradamente:
“- Aí não, doutor !!! Meu caso é de hérnia na virilha. Eu sou é homem…, meu nome é Robson…” – , e esticou as pernas fechando o acesso inviolável que só lhe permitia saídas e não entradas.
Desajeitado nessa sua ataboalhada e, por sorte, frustrada investida, volta o médico à sua mesa e avalia o prontuário.
De fato, o nome era Robson, sexo masculino, solteiro, mas, no espaço reservado ao registro clínico, a médica recém-formada, que prestara a primeira avalição, no setor da triagem, despachou carimbando sua assinatura: “AO OBSTETRA”.
O obstetra – até então, constrito no seu importante trabalho – sorriu sem jeito. O paciente abriu sonora gargalhada, pois se safara da cruel investida e preservou a sua inviolável virgindade do esfíncter mais inferior do corpo humano.
Ao fim do dia, o obstetra encontrou a médica que havia feito o encaminhamento e a inteirou do impasse. Ela disse que não teria se dado conta de ter feito aquilo, quando o colega, mais idoso e maduro, mostrou-lhe a ficha com o encaminhamento por ela assinada.
Ela, que também estivera assoberbada pelos seus inúmeros atendimentos, constrangeu-se com o ocorrido, pedindo desculpas e perguntando:
– E o que eu escrevo para mudar isso, doutor?
O obstetra, mais amadurecido pelos calos da vida, disse-lhe então:
– Risca esse “AO OBSTETRA” e põe “TOSSE”, prescrevendo um xarope qualquer; afinal, o Robson já foi-se embora e está muito feliz por não ter tido a sua dilatação conferida.
*Alceste Almeida, médico, ex-deputado federal